sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Aliterações atormentadas me alucinavam

O sonho sabático, sem servir de solução, é simulacro. Sôfrega saída, seguida de sofrida solidão. Ao me ver assim falando, entrevi: algo está por vir. Afinal, Aninha avistava o fim de semana na praia, olhar o mar, remirar, dizia ela. O sonho de partir, deixar tudo para trás, distingui que era meu. Perscrutar novos horizontes, fitar outras paragens. O Brasil dos buenairenses que miravam a bonança brasileira não bastara. Contemplei a comezinha cena caseira. Os filhos crescidos já não precisam mais de mim. O apertado apartamento não acolhe assaz a contento a apartada prole. Mesmo miúda, sempre precisei de espaço. Depois, percebi uma mania de limpeza que só notei aumentar. Ao vislumbrar os primeiros fios brancos, comecei a aplicar henna vermelha, o tom certo para reparar o cabelo das morenas, dizia o anúncio vagamente perlustrado. Vi-me horrorizada, da primeira vez, com as manchas verificadas na toalha e quase arranquei a pia do banheiro de tanto esfregar. Tudo ante o olhar esbugalhado do marido que me espionava. Levei dias lavando as mãos, não conseguia mais espiar cada paciente indo embora, já corria para o lavabo. Depois vieram os frascos de gel bactericida, como se a gripe suína ou algum insuspeito virus me espreitasse o tempo todo. Como psiquiatra, divisei o quadro, comecei a me tratar. Quando pensei avistar luz no fim do túnel, percebi que o mal havia migrado. Aliterações atormentadas me alucinavam. Enxerguei olhares interrogativos, lobriguei um jovem paciente me encarando. Agora chega de repetições, basta, vou voltar ao be-a-bá. Vislumbrar do viciado vernáculo a verdadeira virgindade. Não mais varrer, vacinar, vaticinar, verificar, velar, vozear. Já me vejo a vadiar, vaguear, vacilar, vandalizar, vagabundear. Obrigado, Aninha. Consulta, agora, só no ano que vem. (EM)

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