domingo, 28 de agosto de 2011

Néo-concretos, o Fino da Bossa e o terreno da galhofa,

Ferreira Gullar e Augusto de Campos costumavam ser santos da minha maior devoção, até que deram de se engalfinhar por questões que não chegam a me comover. Não basta a grandeza da obra, a legenda de Augusto e Haroldo, a bela história do Poema Sujo?

Pouco me importa saber quem descobriu a América, até porque todo mundo sabe que os índios é que merecem maior crédito nessa história. Brasileiro adora luta livre, mas poucos se dão ao trabalho de ler as catilinárias com que poetas, em geral mais jovens, longe da maturidade estética e emocional, se estocam na ânsia de mostrar quem tem maior verso, melhor prosa e mais potente porretada linguística.

Ferreira Gullar narra hoje que “todas as pessoas informadas nesse terreno” (nas quais não me incluo, diga-se) “sabem que fui eu quem inventou o nome ‘neoconcreto’”. Daí tira inúmeras consequências capitais para as artes plásticas nacionais (Ilustrada de 28/08/2011).

Longe de brigar com o poeta, que continuo admirando, e muito, vou seguir seu exemplo. Deixo de lado, desde logo, a máxima tantas vezes repetida, de que “elogio em boca própria é vitupério” e passo, por uma vez, a me vangloriar de um batizado que, se não é tão importante, nem tão fértil, teve o dom de ser mais popular.

Mesmo as pessoas bem informadas nesse terreno ignoram solenemente que fui eu o criador da expressão “O Fino da Bossa”. No início de 1964, antes que os militares aparecessem, comecei com dois colegas da Faculdade de Direito a planejar um grande show de bossa nova em São Paulo, até então tida por Vinicius como o túmulo do samba.

Nas intermináveis discussões que sempre fazem parte das preliminares do espetáculo, a artista plástica que desenhou o cartaz achou o nome muito perigoso, pois podia facilmente resvalar para “O Fino da Bosta”. Venceu a maioria destemida e o show, realizado em maio no Teatro Paramount, entrou para a história da MPB, como narrado amplamente na literatura especializada, em versões sempre bastante distantes do que aconteceu de verdade.

Depois, já sem a minha amadora e distinta companhia, Horácio Berlinck levou o nome para um programa da TV Record, de enorme popularidade, com Elis Regina e Jair Rodrigues. Elis, ao contrário do que reza a lenda, não participou do show original, ao contrário de Vinicius, Baden, Chico, Sergio Mendes, o Tamba Trio, o Zimbo Trio e tantos outros. O grand finale ficou por conta de Alaíde Costa e o conjunto de Oscar Castro Neves. “Onde está você...”, alguém ainda se lembra?

No meu caso não haverá celeuma, espero. Uma boa pesquisa pode comprovar o que digo, pois na época tivemos o cuidado de registrar a marca no INPI, o que foi feito em meu nome. Como o show original fora feito em benefício da AACD, chegamos a procurar Paulinho Machado de Carvalho, na Record, reivindicando um royalty para a AACD. Nada feito.

O único lucro da empreitada foi termos rido muito, na sala de espera, onde Jô Soares e Juca Chaves também tomavam chá de cadeira e davam um verdadeiro show de humor. A emissora achou uma solução esperta, trocou o nome do programa para “O Fino...” e ficou por isso mesmo, nós e a AACD ficamos a ver navios. E muita gente ainda acha que “O Fino da Bossa” foi apenas o programa da Elis na TV Record.

Embora possa, se preciso, mostrar evidências desse batismo ilustre, garanto que a escolha de tão inspirado nome não teve qualquer influência posterior, positiva ou nefasta, nos rumos da música popular brasileira.

Apesar de ter carregado o violão de Chico Buarque, meu colega de Colégio Santa Cruz, que cantou de graça muitas vezes no programa “Primeira Audição”, que fazíamos antes com João Leão, na mesma TV Record, toda a criação e sucesso do nosso “Carioca” se deve exclusivamente ao seu extraordinário talento. João Gilberto vai fazer oitenta anos e também nada deve ao meu talento vocabular.

Longe de brigarmos com os cariocas, começou ali um intercâmbio duradouro entre músicos das duas praças. Luiz Eça reconhecia que Chico tinha talento, mas achava que Edu Lobo é quem iria mais longe. Os dois viraram parceiros e grandes amigos. Felizes os músicos, que resolvem suas diferenças no terreno da galhofa. Uma boa lição para os poetas de todas as gerações.