domingo, 24 de fevereiro de 2008

O céu dos poetas (2005)


O exterior não será uma intimidade antiga, perdida na sombra da memória ?” (Gaston Bachelard)


No céu de todo poeta existem pontes, rio, torre e igreja.

Que
Apollinaire e Prévert me perdoem, mas esta não é a ponte Mirabeau, que leva a Auteuil.

Também sob a ponte Alexandre IIIcorre o Sena. E nossos amores”.

É um rio adorável, dizia
Jacques Prévert. Ninguém se cansa de admirá-lo. O Sena é um dos caminhos que levam da torre à igreja.

Pastora ó torre Eiffel o rebanho de pontes bale esta manhã”, recitava Guillaume Apollinaire, prenunciando o surrealismo.

A igreja pode ser alcançada pelo leito do rio, de onde é vislumbrada em toda sua imponência. Ou perscrutada em suas sombras, numa noite de lua cheia, onde quase se roçam os fantasmas.


Para penetrar no coração de uma cidade, para captar seus mais sutis segredos, é preciso agir com a mais infinita ternura e também com paciência às vezes desesperadora”, receitava Jacques Yonnet.

Para ser parisiense, não é necessário ter nascido em Paris, atesta
Leon-Paul Fargue. O que é preciso, então?

Com certeza, ver na cidade mais do que uma vaga promessa de luxo ou de felicidade.


Caminhar ociosamente na sua luz e nas suas sombras. Celebrar o milagre das Tulherias, percorrendo os seus jardins e as lembranças de Le Nôtre, o jardineiro do Rei.

Descobrir as “perspectivas abertas no meio de longas fileiras de ruas”, ideal de Haussmann, desvendado por Walter Benjamin.

Ver no reflexo desse exterior inebriante alguma coisa que já existia dentro de nós. Redesenhar à luz de novas companhias os caminhos tantas vezes percorridos.

Dissipar os amargores do passado e renascer repleto dos encantos e dos sabores da cidade.

Ah, o Boulevard Saint Germain! O prazer de se dirigir ao Lipp, descrevia Hemingway, “era aumentado pelas sensações que me transmitia de passagem, ao longo do caminho, meu estômago, mais ainda que meus olhos e meu olfato”.

Para Prévert, o Sena tem sorte. Não tem preocupações. “Caminha para o mar, passando por Paris”.

Também têm sorte os poetas que passam por Paris. Seu céu tem pontes, rio, torre e igreja. E, salvo melhor juízo, esse céu fica em Paris.



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