domingo, 24 de abril de 2011
A foto que eu queria ter feito, no OLHAVÊ
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A foto que eu queria ter feito
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A foto que eu queria ter feito, Eduardo Muylaert
http://www.olhave.com.br/blog/wp-content/uploads/2011/01/richard-misrach.jpg
Foto: Richard Misrach – Albuquerque, New Mexico, 1983
Por Eduardo Muylaert.
Já fui Atget, já fui Brassaï, já fui Lee Friedlander, na minha pretensiosa fantasia, claro. Esses modelos – já clássicos – da fotografia em branco e preto nunca sairão do meu DNA. Tantas fotos de qualquer dos três que eu queria ter feito…
Mas a foto que eu queria mesmo ter feito, de verdade, é esse trabalho de Richard Misrach, detalhe de uma pintura a óleo da coleção do Museu de Arte da Universidade do Novo México, em Albuquerque.
Misrach nasceu em Los Angeles, Califórnia, em 1949. Foi um dos pioneiros, nos anos 70, da revalorização da cor na fotografia e do uso de ampliações de tamanho comparável às grandes pinturas dos museus.
Seus trabalhos mais conhecidos são sobre a intervenção humana na paisagem. Os Desert Cantos, de exuberante beleza, retratam áreas desertas atingidas por experiências nucleares e outras formas de devastação, com forte conteúdo de denúncia. Já o mais divulgado, On the Beach, traça uma perspectiva aérea do frágil ser humano interagindo com a imensidão do mar
A foto que eu queria ter feito faz parte do livro Pictures of Paintings, de 2003, completamente esgotado, como quase todos os livros de Misrach. É um detalhe da pintura a óleo Alegoria do Amor Virtuoso, de Antiveduto Grammatica, pintor do proto-barroco italiano que viveu de 1571 a 1610. Misrach a fotografou com luz natural, numa câmera 8×10, sem se importar com os reflexos que passam a integrar a foto.
Como observa Craig Owens, “alegoria não é hermenêutica. Ao contrário, ela adiciona outro significado à imagem”. As fotografias de detalhes de obras de arte de Misrach formulam um léxico de valores culturais como raça, gênero, religião e poder.
Rompendo as barreiras entre a prática tradicional da documentação e as recentes estratégias de arte de apropriação, esse trabalho de Richard Misrach levanta importantes questões relativas à própria representação.
Agora em fevereiro, foi lançado mais um livro sobre o tema, Shared Intelligence: American painting and the Photograph, em que Barbara Buhler Lynes e Jonathan Weinberg voltam ao palpitante assunto da relação entre pintura e fotografia na arte norte-americana, objeto de exposição de mesmo nome.
Tudo muito moderno. Alguns ainda relutam em aceitar. Mas não custa lembrar que entre os importantes trabalhos de Fox Talbot já encontramos uma bela interação com a pintura, An Oil Painting. Esse trabalho representava uma novidade, em 1839 ou 1840.
Eduardo MuylaertPictures of PaintingsRichard Misrach
sábado, 23 de abril de 2011
Do bom uso do clichê
‘Vamos nos casar e seremos muito felizes’ [1], disse o adjetivo ao substantivo. Dessa insólita união surgiram muitas dores de cabeça e um sem número de clichês. O infausto privilégio não é nosso, já fez vítimas ilustres em civilizações mais antigas. Quem nunca ouviu falar do Senhor de La Palice, uma espécie de versão francesa do nosso Conselheiro Acácio? Certo, o Conselheiro nada tem de nosso, é personagem de Eça de Queiroz, no Primo Basílio, representa a pompa balofa, as frases solenes e vazias, o discurso oficial do fim do século 19. Alguma coisa mudou? O chavão continua a parecer indispensável na fala dos políticos, mas também na narração esportiva, na religião e no comércio. A monarquia não tem nenhum recato, sua mensagem de Natal evoca sempre o espírito de paz, a perspectiva de progresso, a simpatia pelos necessitados e um carinho especial pelos doentes e solitários. A República não destoa, prefere as fórmulas solenes e ocas a qualquer compromisso concreto. Todos sabemos que é preciso ‘proporcionar melhores condições de saúde e de vida às camadas mais pobres da população’ [2]. Porque não um discurso renovado, que deixe um pouco de lado as fórmulas gastas? Mais do que apreciar o gol, o telespectador anseia pelo grito prolongado do locutor. A jogada de um craque não é nada sem as acacianas hipérboles que a consagram no coração do torcedor. O eleitor poderia estranhar uma proposta que não viesse na moldura surrada do vossexcelentês. Não há religião, nem propaganda, sem bordão. A ligação já foi feita por Joyce, no seu Ulysses: ‘A missa parece ter terminado. Posso ouvi-los todos nisso. Orai por nós. E orai por nós. E orai por nós. Boa ideia a repetição. Mesmo coisa com os anúncios. Comprai de nós. E comprai de nós.’ [3] Também na voz da personagem central: ‘Porque, você vê, diz Bloom, para uma propaganda você precisa ter repetição. Esse é todo o segredo.’ [4] Nelson Rodrigues falava na ‘brusca vergonha da trivialidade’[5], vergonha essa que anda meio em falta. Mas há injustiças. O pobre Senhor de La Palice, nascido Jacques de Chabannes, foi um valoroso comandante francês que morreu lutando em Pavia no século XVI. Para comemorar seus feitos, os soldados compuseram uma canção cheia de obviedades que terminava com esses versos: ‘Quinze minutos antes de morrer, ele ainda estava vivo’[6] Foi assim que o famoso Marechal da França entrou para a história como ingênuo e o substantivo palissade acabou no dicionário três séculos depois. Não basta evitar o lugar comum, portanto, é preciso fugir dele como o diabo da cruz. A dieta nem sempre é fácil, apesar de sabermos que ‘a gordura é que engorda, não o açúcar.[7] ‘A diferença entre o clichê e o lugar comum é impossível de determinar objetivamente’, atesta Carlos Ceia.[8] A tautologia, dizer o mesmo de formas diferentes, e o pleonasmo, redundância de termos, também disputam território com o clichê. Para se defender da tentação existem alguns dicionários, raros em português, como o recente O Pai dos Burros de Humberto Werneck (2009), herdeiro do Dicionário das Idéias Feitas de Gustave Flaubert (1852) e de Lugares-comuns, de Fernando Sabino (1974). Também, o nosso é o único idioma em que o vocábulo trocou o acento agudo pelo circunflexo. O Dictionary of Clichés de Eric Partridge (1940) existe em edição kindle, que pode ser baixada na internet. Um experimentado profissional da escrita reconhece que os clichês ainda pululam no seu texto, tão sub-repticiamente que às vezes escapam. Já um cliente da Amazon[9] relata que comprou esse dicionário há alguns anos para brincar com a mãe, que usava fórmulas prontas o tempo todo, mas gostou tanto que acabou ficando com o presente. Quem não gostar do Partridge pode recorrer ao Rogers (1986), mais econômico, em livro de bolso. Já os que falam a língua de Molière podem se servir do Dictionnaire des Clichés Littéraires de Hervé Laroche (2004). Adianta? Do alto dessas estantes milhões de estereótipos nos contemplam. Seu uso pode fazer de você um escritor de sucesso. Um político bem votado. Um amante apaixonado. Um locutor esportivo aclamado ou odiado. Um arcebispo consagrado. Uma sensação nas festas de família. Um orador aplaudido nas mais requintadas cerimônias. Você não precisa vender sua alma, basta alugar seu espírito. Afinal, até o grande O’Henry não escapou do lugar comum ao escrever sobre clichês em 1910: ‘Foi fantástico. E o mais fantástico de tudo são as palavras, e como elas fazem amizade umas com as outras, se associando com frequência até que nem mesmo um obituário as separe’.[10] Clichê, descansa em paz.
[1] Novela Morde e Assopra, TV Globo, 20/04/2011, 20h20
[2] Uma ação necessária, editorial, O Estado de São Paulo, 20/04/2011, pág. A3
[3] Mass seems to be over. Could hear them all at it. Pray for us. And pray for us. And pray for us. Good idea the repetition. Same thing with ads. Buy from us. And buy from us.
[4] Because, you see, says Bloom, for an advertisement you must have repetition. That's the whole secret.
[5] O Óbvio Ululante.
[6] Un quart d’heure avant sa mort/il était encore en vie.
[7] Conversa em mesa de jantar, 20/04/2011, cerca de 21h.
[8] Carlos Ceia, Lugar-Comum, www.edtl.com.pt
[9] www.amazon.com
[10] O’Henry, Whirligigs, de 1910 . It was wonderful. And most wonderful of all are words, and how they make friends one with another, being oft associated, until not even obituary notices do them apart.
sexta-feira, 8 de abril de 2011
terça-feira, 15 de março de 2011
Araki, 70 anos, tem novo livro e exposição.

Para celebrar o sofrido Japão, onde pode estar começando a acontecer o começo do fim do mundo tal qual o conhecemos, novo livro e exposição de Araki, que fez 70 anos.
Nobuyoshi Araki “Theater of Love”
Taka Ishii Gallery Photography / Film
I found a cabinet sized box labeled ‘Theater of Love’. I opened it to find about 150 prints. It’s from around ‘65. Back then I used to click away with my Olympus Pen F, making these patchy prints using thermal development on purpose; the woman, the era, and the place are all photographed there, it’s all expressed. So, I used to say ‘Theater of Love’ back then, eh. Well, anyway, it’s good, huh, they are good photos. This sort of thing isn’t going to happen on digital.
Nobuyoshi Araki, December 2010
Araki graduated from Chiba University Faculty of Engineering in 1963, and began working at Dentsu. As Araki himself notes, “My Dentsu era was my training era,” the nine years that Araki worked for the firm was a time spent experimenting with photography beyond the parameters of the company. Concurrently, from around 1964, he began constructing handmade photo books by pasting prints directly into a sketchbook, and by 1970 he had self-published the 26 volume Xeroxed Photo Albums using the facilities available at work, radically pursuing the practice of editing within photo books.In 1968 Araki met Yoko Aoki (maiden name), who worked in a different department at Dentsu, whom he married her three years later in 1971. Sentimental Journey, published the same year as a limited edition of 1,000, follows the couple’s honeymoon from an extremely personal viewpoint, dispassionately presented on a timeline—already revealing at this stage, Araki’s 40 year long determination to develop an extremely intense relationship with the subject in his photography.This exhibition will feature approximately 100 of Araki’s unpublished cabinet size photographs, taken around 1965 during his Dentsu years. This is an opportunity to observe the origins of a photographer who celebrated his 70th birthday last year.
Nobuyoshi Araki new publication Theater of Love
Retail price: TBC, Published by Taka Ishii Gallery (2011), limited edition of 1,000, soft cover, 119 B & W photo reproductions, H133 x W180 mm, release date: 18 February, 2011
segunda-feira, 14 de março de 2011
domingo, 13 de março de 2011
Bate papo na Fauna, sábado. Fotos do encontro.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Malharam o Judas na porta do Prefeito,
quarta-feira, 9 de março de 2011
futurO, por EDUARDO MUYLAERT
futurO :: por EDUARDO MUYLAERT :: www.paratyemfoco.com/blog
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Edu Muylaert é o convidado que apresenta o segundo capítulo do futurO da fotografia. São 15 capítulos, a cada duas semanas, convidados recebem o espaço deste post para expressar seus pensamentos sobre o futurO da fotografia [texto/imagem parada/imagem em movimento/som/o que for...]
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o futuro começa todo dia logo de manhã quando nos levantamos e pensamos o que vamos fazer no novo dia ou não pensamos nada e vamos fazendo as mesmas coisas ou inventando coisas novas o futuro começa toda noite quando fazemos o balanço do dia do mês do ano da vida do universo ou simplesmente apagamos o futuro começa quando sonhamos sonhos em branco e preto ou coloridos com medo ou alegria coisas boas ou assustadoras o futuro começa todo dia logo de manhã quando esquecemos os sonhos da noite anterior da vida que passa do mundo de antes e começa a briga entre o que queremos viver e o que queremos esquecer e o que mostrar e o que não ver o futuro começa quando comemos a maçã e somos expulsos o futuro começa enquanto o circo pega fogo o futuro começa com uma gota d’água no oceano uma célula uma partícula um tempero uma plantinha uma palavra uma faísca um gesto o futuro começa quando partimos pois se tira o (tu) fica o fu__ro aí já não somos nós só o futuro que pode ser bom ou assustador depende um pouco de nós mas muito pouco não sabemos o que fazer as câmeras melhoram os olhos melhoram às vezes pioram a rede cresce o mundo gira o pau quebra as rosas desabrocham a lusitana roda continuamos odiando e amando e suando o pão nosso a água que era nossa a carne que somos nós a vaidade de cada dia o prazer o dever a luta a dúvida as dívidas o cansaço a esperança a escassez e o excesso a falta que ela me faz o que será que será não adianta perguntar o futuro começa
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Juan Esteves analisa Mulheres dos Outros, na Fotografe Melhor.

Mulheres dos Outros,
Por Juan Esteves
Fotografe Melhor de março, já nas bancas.
Na mostra “Mulheres dos Outros”, em cartaz até 16 de março na Galeria Fauna (Al.Gabriel Monteiro da Silva, 470, São Paulo ), o paulistano Eduardo Muylaert expõe uma série de imagens que se apropriam de outras imagens. Uma obra nova, sobre outra, mais antiga. A apropriação neste caso – é feita a partir de antigos cromos encontrados ao acaso, comprados numa feira de antiguidades. Esse é o ponto de partida para as fotos, cujo fio condutor são nus de mulheres, aparentemente da década de 50.
A caixa que continha a série de cromos tinha como título “Nus Artísticos”. Se antigamente as imagens podiam escandalizar por suas poses e formas, hoje atraem o observador por outros motivos, como a sutileza, o grafismo das marcas do tempo, referências que nos transportam a arte.
As formas físicas expostas nas antigas imagens ( que não encontram mais similares nos atuais corpos moldados pela ginástica exagerada) conduzem-nos a uma beleza mais clássica, próxima daquela encontrada nos templos gregos. A elas, o fotógrafo uniu uma outra pequena série, feita no Museu do Louvre, em Paris, de esculturas de mulheres. A própria decadência dos cromos, suas tramas, fazem par com as fraturas destas belas esculturas.
A recorrência ao nu se faz presente no trabalho do fotógrafo há alguns anos, com suas belas experiências em transfers de polaroids. Nesta mostra, porém, ele conta com a participação do acaso e do tempo. Abandonados em más condições de conservação, os cromos criaram fungos e formataram novos desenhos na imagem, que foram posteriormente manipuladas. Muylaert usa a alegoria do palimpsesto, um pergaminho reutilizado, que teve primeira inscrição arranhada para se traçar uma nova.
Nas últimas cinco décadas, a concepção da imagem gráfica mudou, assim como a condição anatômica das mulheres. As imagens resgatadas por Muylaert foram substituidas pelos nus escancarados da Penthouse e Playboy. Nesse sentido, o trabalho do fotógrafo não só se enquadra no melhor do fine art, como sintoniza no que costumava-se chamar de erotismo, aquele que mescla sutileza e ousadia, desprendimento e ironia.
Juan Esteves cita
terça-feira, 8 de março de 2011
Mulheres dos Outros é ilegal? Questão do Valor Econômico.
Além da tecnologia digital, práticas artísticas também põem sob pressão a forma tradicional de lidar com a autoria. Uma exposição do fotógrafo e advogado Eduardo Muylaert em São Paulo explora uma área de fronteira autoral. Em cartaz na galeria Fauna, "As Mulheres dos Outros" exibe reproduções de fotografias compradas na feira de antiguidades do Museu de Arte de São Paulo (Masp). O artista conta que encontrou as imagens dos anos 1950 em péssimo estado. Fotógrafos e modelos eram anônimos. A exposição consiste em ampliações que realçam os efeitos do tempo e da má conservação.
Segundo uma leitura possível da lei atual, a exposição seria considerada ofensiva aos direitos autorais dos fotógrafos de 60 anos atrás, que não foram consultados quanto ao uso de seu trabalho nem serão pagos. No entanto, a iniciativa do fotógrafo é corrente entre criadores que, na linha de Andy Warhol e Jean-Luc Godard, em vez de criar imagens, retrabalham a infinidade de imagens já disponíveis. Como advogado, Muylaert estava ciente do possível impasse jurídico. Apoiou-se sobre o oitavo parágrafo do artigo 46 da lei atual, que permite a reprodução de "pequenos trechos" de obras preexistentes quando não houver "prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores". "Sinto que meu trabalho é legítimo com base nesses artigos", afirma o artista, que também se muniu de um arsenal teórico para sustentar seu argumento. São textos de Roland Barthes, Gérard Genette, Douglas Crimp, Richard Misrach e outros.
Juristas que se debruçam sobre o assunto não consideram os artigos citados por Muylaert tão seguros. Para Guilherme Varella, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a lei autoral brasileira está entre as mais restritivas do mundo e o trecho em questão deixa em aberto o sentido de "pequeno trecho", "exploração normal" e "prejuízo injustificado". O resultado é uma incerteza jurídica desnecessária. Um dos objetivos da nova lei autoral seria resolver impasses como esse. As fotografias garimpadas por Muylaert seriam "obras órfãs", isto é, cujo autor é desconhecido ou não pode ser encontrado. Para casos assim, seriam concedidas "licenças não voluntárias". Os direitos econômicos seriam recolhidos em juízo, mas os morais seriam dispensados temporariamente. O mesmo procedimento se aplicaria a marchinhas de carnaval da década de 1930 de que não se conhece o autor.